quinta-feira, 18 de novembro de 2010

LER PARA CRER


Eu, Luís Costa, creio ter adquirido o gosto pela leitura desde muito cedo, com as histórias que a minha mãe e as minhas irmãs me contavam. Como os tempos eram outros — início da década de sessenta — e havia pouco dinheiro para adquirir livros, a minha família tinha o hábito de entreter o serão com adivinhas, jogos tradicionais — como o rapa — e pequenas narrativas, algumas provenientes da tradição oral e outras dos autores clássicos. Segundo penso, terão sido esses momentos mágicos de comunhão, povoados de personagens e de acontecimentos fantásticos, que despertaram a minha imaginação e o meu apego ao mundo da ficção narrativa. Logo que aprendi a juntar as letras, comecei a ler, com os meus próprios olhos, muitas daquelas histórias que ouvira na minha tenra infância.



Tenho o hábito de ler um pouco de tudo. No entanto, desde a minha adolescência que acalento uma certa predilecção pelos romances históricos. Tudo começou com o fabuloso Eurico o Presbítero, de Alexandre Herculano, que devorei, da primeira à última linha, ao longo de uma tarde, apenas com uma pausa para o lanche. Como a minha mãe me fez a alquímica surpresa de me oferecer a assinatura da colecção Os Grandes Romances Históricos, da editora Amigos do Livro, comecei a dar os meus primeiros passos na literatura universal com O Espião, de Fenimore Cooper. Seguiu-se O Coronel Chabert e Um Caso Tenebroso, de Balzac, Ivan o Terrível, de Tolstoi, Isabel da Baviera, de A. Dumas, Mérimée, Puchkine… Mais tarde, já com vinte anos, li algumas obras dos românticos franceses, na sua versão original. Destaco o romance de Victor Hugo, Notre-Dame de Paris — do qual foi extraída a apaixonante história infantil O Corcunda de Notre-Dame —, e Le Rouge et le Noir, de Stendhal.


Leio, porque gosto de mergulhar nos universos ficcionais que os escritores me oferecem. É uma excelente forma de “conviver e conversar” com os autores, de viajar no espaço e no tempo, uma libertação para o espírito, um alento para a alma e um inigualável exercício mental, pois todas as personagens, todas as acções, todos os cenários são reinventados por nós, os leitores, enquanto lemos. Ver televisão é agradável, mas é passivo, adormece e atrofia a imaginação, provoca a obesidade cerebral. Tudo nos é aí apresentado de forma acabada, completa e sedutora. O nosso intelecto é convidado a contemplar, deixar-se envolver e fascinar, sem ter de procurar alimento, como um passarinho de gaiola.

Neste momento, não estou a ler nenhum romance nem qualquer livro de poesia. É assim, quando estou a escrever os meus próprios textos, por uma questão de distanciamento relativamente a outros autores, de depuração do meu próprio estilo individual. Actualmente, leio após a conclusão dos meus modestos trabalhos literários e antes de iniciar novo projecto. Enquanto escrevo, cinjo-me à leitura da bibliografia que alicerça histórica e cientificamente as frases que delineio. Entretanto, como tenho um filho com cinco anos de idade, regressei, pela quarta vez na minha vida, às histórias infantis: leio-lhe, regularmente, os clássicos deste maravilhoso subgénero narrativo. A última leitura foi, pela enésima vez, o conto A Bela e o Monstro.


Escolhi este livro, porque foi, de facto, a última história que li, mas também pelo seu conteúdo, como é óbvio, que é intemporal, universal, adequando-se perfeitamente aos dias de hoje, uma época marcada pelo culto da aparência, da vaidade, do materialismo, da imagem exterior que se pretende impingir à sociedade. Hoje, pouca gente tem tempo para descobrir o príncipe ou a princesa que há no interior de cada um. Contam mais os títulos, as roupas, os carros, as marcas, os electrodomésticos, as férias que se ostentam e apregoam… Hoje, há demasiadas pessoas parecidas com as irmãs da Bela e com a mãe da Cinderela. A proporção é esmagadora. E são essas pessoas que, por infeliz regra, mais trepam na escala social e profissional. Talvez por isso o país…


ACONSELHO VIVAMENTE A RELEITURA, com os olhos do cérebro, das histórias que a sapientíssima tradição oral e os grandes génios da dita literatura infantil nos deixaram. Estou convicto de que muitos dos adultos de hoje jamais as entenderam, jamais as incorporaram enquanto alertas, lições de vida, valores intrínsecos pertencentes ao melhor tesouro da nossa humanidade. Nos tempos que correm, aconselho vivamente os jovens a relerem a história Os três Porquinhos e o Lobo Mau, a fábula A Cigarra e a Formiga, O Gato das Botas Altas e, como é óbvio, O Capuchinho Vermelho. Aos adultos, aconselharia a leitura atenta do conto já referido — A Bela e o Monstro — e Pinóquio.

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